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Há pessoas que nos despertam paixões. Há pessoas que nos encantam.


Falava-se de paixões. Paixões que nos levam a andar nas nuvens. As opiniões dividiram-se. Polarizaram-se. Nada melhor do que estar apaixonado e nada pior do que nos apaixonarmos.


Num dos extremos defende-se que é bom estar apaixonado, sentir muito e pensar pouco. Ser um adolescente. No extremo oposto, argumenta-se que não é bom estar apaixonado, perde-se o discernimento e pode criar-se uma obsessão. Passa-se a ser um Peter Pan, com uma conotação pejorativa.


Resta ainda dizer que, bom ou mau, o estado de paixão é um incêndio poderoso que mais tarde ou mais cedo se extingue. Se as chamas da paixão duram muito ou pouco, depende do muito ou pouco combustível que os incendiários tenham à disposição. Mas o certo é que se extingue. Depois, é perceber o que nasce das cinzas. Habemus Fénix?


Dei por mim ainda a pensar que o estado de paixão faz realmente andar nas nuvens, sentir, e até ouvir, o bater do coração. A alegria invade-nos na sua intensidade máxima - acedemos a um estado de euforia. Fazem-se e dizem-se coisas que nem sequer nos passariam pela cabeça num estado "normal".


Há pessoas que nos despertam não paixão, mas paixões. Porque nos apaixonamos por elas e, simultaneamente, nos apaixonamos por quase tudo o que nos rodeia nesse momento: a música que ouvimos, os restaurantes a que vamos, o desporto que se pratica... apaixonamo-nos pela vida. O que poderá ser melhor?


Dei por mim, ainda, a pensar alto sobre um outro estado que pode ser suavemente avassalador, capaz de nos distrair dessas paixões que nos surpreendem e nos prendem. Um estado capaz até de extinguir a mais intensa das paixões. O estado de encantamento.


Há pessoas que encantam. Podem estar tão discretamente num mundo cheio de distrações que correm o risco de não ser vistas. Mas, quando por algum motivo se fazem notar, despertam curiosidade por terem caraterísticas muito particulares, algumas incomuns e até menos apreciadas, eventualmente porque nós próprios também as temos, sem disso ter consciência.


O certo é que pessoas assim, com o poder de prender a atenção e de despertar a vontade de saber mais e, depois, de estar mais tempo junto e, depois, mais próximo e, depois, de querer algo mais. Esta curiosidade tem um efeito semelhante ao da paixão. Faz sentir, e até ouvir, o bater do coração.


O encantamento provoca a vontade de descobrir, um exercício mental carregado de emoção e que desperta os instintos. A paixão, por sua vez, é um exercício de instintos, carregado de emoção e muito pouco mental.


Soltando o pensamento, uma pessoa que nos desperta paixão assemelha-se ao mar, imenso, imprevisível, que desejamos navegar para chegar a novos mundos sem pensar nas tempestades que possam surgir. Já uma pessoa que nos encanta assemelha-se a uma montanha que desejamos escalar, porque chegar ao cume pode bem ser chegar ao teto do mundo.


Continuando na montanha, à medida que vamos subindo, apesar da dificuldade, a paisagem é cada vez mais bonita. Surge a alegria de estar num lugar único. Mas, aqui, a intensidade desta emoção é diferente à da paixão. Aqui, na montanha, a alegria assume-se como serenidade. E, neste estado de encantamento sereno, continua-se a escalada, subindo até percebermos que

realmente andamos, não nas nuvens, sobre as nuvens.


A montanha mantém-se imperturbável, quase inconquistável. Respeitando a montanha que nos desafia, a subida é tranquila. Descemos ou permanecemos, vivendo e usufruindo do que nos oferece ao longo das quatro estações. Nossa escolha.


Em qualquer umas das situações, no limite, é sempre uma escolha nossa. Igualmente, é responsabilidade nossa, encantados ou apaixonados, regular a intensidade das emoções que sentimos e libertarmo-nos das paixões ou quebrar os encantamentos, quando a alegria cede o lugar à tristeza.


Acabo a pensar que o encantamento pode bem anteceder ou suceder à paixão. O certo é que nos faz sentir, e até ouvir, o coração. E se subirmos a montanha, chegando ao cume, andamos nas nuvens.




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